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Então senhor Gormley, conte sobre suas exposições em São Paulo, Rio e Brasília.
Meu trabalho é uma exposição que eu chamei de Still Being, traduzida como "Corpos Presentes",
que é uma tradução literal e que passa bem a ideia.
Estamos olhando para 20 anos de trabalho e uma ideia de olhar para o corpo humano menos
como um ator em uma narrativa, que é a escultura tradicional - estátuas, heróis, coisas extraordinárias:
Davi, por exemplo -, então menos sobre fazer estátuas de herois e mais sobre a investigação
do corpo. O corpo como lugar e não tema, como um lugar de transformação e mistério
assim como conhecimento.
Existem 3 instalações principais como parte desta exposição: "Campo", o campo amazônico,
feito em 1991 em Porto Belo no Amazonas. "Sala de Leitura", que são 9 molduras de mesmo
volume esticadas em dimensões diferentes, onde o observador pode entrar e é um instrumento
no qual os espectadores também são assistidos por outros espectadores. Ele alterna entre
um momento com luz muito brilhante por 47 segundos, 67 mil watts de luz halogênica
brilhante seguida por 9 minutos de escuridão total nessas 9 molduras que se encaixam em
aproximadamente 60 metros cúbicos.
Nesse diálogo entre a interrogação do momento de luz intensa que ninguém pode escapar e
você vê os outros visitantes quase nus - você pode ver as veias sob a pele deles, pode de
certa forma ver cada costura em suas roupas - há um sentimento de que não há onde se
esconder. E depois desses 47 segundos você entra em modo meditativo, onde as molduras
parecem quase um holograma e através delas as pessoas parecem fantasmas se movendo.
Nós ainda pensamos em arte como decoração ou representação. Eu estou interessado em
colocar o espaço da arte para trabalhar como uma forma de consciência e percepção tanto
individual quanto para o grupo e acho que em termos filosóficos minha arte é sobre
transformar o espectador de um simples receptor para um participante, um participante construtivo
de um novo tipo de realidade. Tenho uma instalação chamada "*** Crítica". *** crítica é
a densidade necessária para a fissão nuclear de um isótopo, e acho que minha obra é uma
tentativa de criar um futuro choque anti-monumento. São 2 metros de fósseis produzidos industrialmente
que dizem "aqui está uma memória de como a espécie humana se parecia".
Minha última pergunta é qual é sua impressão sobre o espaço urbano, a arquitetura, os
monumentos de Brasília - de alguma forma eles dialogam com suas ideias e trabalhos?
É interessante, porque poderíamos conceber Brasília como um projeto escultural utópico,
a visão de um ou dois homens realizando o sonho de uma máquina cheia de vida humana.
De certo modo faz com que a cidade seja alienadora em termos de espaço. Não há espaço de
trabalho, o efeito da cidade... Você a admira, mas à distância ou de um carro, de um ponto
de vista móvel, e há parte de mim que admira enormemente a singularidade dessa visão,
mas também temo pelas consequências disso. Kubitschek fundou esta cidade nos princípios
da arte, e é uma ideia extraordinária. Da última vez que estive aqui fui ao museu e
escrito na parede havia as palavras de Kubitschek: "nós não fundamos nossas nações nos princípios
da lei e da economia, mas queremos navegar nossa nação sob a bandeira da arte". Bom,
há vários paradoxos nisso. Temos uma cidade, visão de um homem que foi dito que se tornou
totalitário, mas não deixa de ser a expressão da 'liberdade de expressar', de que é um
trabalho de arte que foi posto ao serviço da ilustração.
Sou muito feliz de conhecer Brasília, acho que é uma inspiração e também um aviso.
Inspiração porque mostra o que os humanos são capazes de fazer e um aviso porque, no
final, não podemos controlar nada e cidades que são realmente humanas crescem, não são
criadas. Cidades humanas são formadas por muitas pessoas, não por um homem.