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Prezados senhores, senhoras, jornalistas, enófilos, sommeliers, chefs, lojistas. produtores,
amantes do vinho, pessoas de bem.
É com imensa alegria que iniciamos este encontro. Hoje é um dia de júbilo inebriante, um dia
de celebração. Estamos aqui para resistir à tentativa de genocídio da diversidade
do vinho no Brasil. Estamos aqui para resistir ao fim da pluralidade, estamos aqui para dizer
a verdade, a nossa verdade, a única verdade. Estamos aqui porque não queremos ser engolidos
pelo monstro da economia de escala. Estamos aqui para defender os vinhos brasileiros,
e, sobretudo, para debater a tentativa perversa de privilegiar apenas a grande indústria
de vinhos no Brasil em detrimento da artesania. O Aprazível já foi palco de outras batalhas
e novamente abre suas portas para um momento importante e histórico, e sem precedentes
para os rumos da vitivinicultura no Brasil. O Aprazível é para nós, pequenos produtores
brasileiros, o fórum legítimo para discutir a vitivinicultura brasileira. O palco perfeito
para quem não tem vez e voz em sua própria terra. É o púlpito para ressonarmos nosso
descontentamento com as políticas impostas pelo setor, e por todas as entidades que apóiam
o Selo Fiscal e a Salvaguarda. Falam em patriotismo, falam em brasilidade, falam em responsabilidade,
falam em abrir a cabeça, falam em erguer a taça, falam em dizer sim. Mas também nos
acusam de boicotadores, de traidores do vinho brasileiro. Pois bem, gostaria de questionar
quem são os traidores de fato. Será que nos venderíamos por 30 moedas? Será que
teríamos todo este poder que agora nos imputam? Senão vejamos: quem boicotou as mais de 400
vinícolas que foram contra o Selo Fiscal? Quem boicotou os cidadãos que firmaram, de
próprio punho, através de abaixo assinado, esta contrariedade? Quem boicotou o pequeno
produtor ao pedir que derrubassem a normativa que isentava o Selo fiscal para vinícolas
que produzissem até 20mil litros de vinho? Quem está boicotando a discussão sobre o
sistema tributário Simples para as pequenas vinícolas? Quem boicotou as vinícolas familiares
que foram fechadas por não respeitarem a impraticável normativa IN 05 (normativa esta
que impossibilita qualquer agricultor de fazer vinho em sua própria propriedade?) Quem boicota
os pequenos agricultores e os trata como verdadeiros criminosos por fazerem vinho para seu próprio
consumo? Quem são os boicotadores do vinho brasileiro? Acusam indiscriminadamente os
pequenos produtores, por estarem ligados a esta ou aquela importadora, acusam pequenos
produtores por serem desta ou daquela etnia, acusam os pequenos produtores de serem deste
ou daquele Estado, acusam os pequenos produtores de estarem promovendo o caos. Acusam os pequenos
produtores de serem manipuladores de informações. Assim, assistimos perplexos a tudo isto, à
falta de elegância destas pessoas que estão botando abaixo a imagem do vinho brasileiro.
Prezados cidadãos e cidadãs, o marketing não esconde atos fascistas, o marketing não
limpa a alma, o marketing não forja caráter, o marketing não faz vinho! Mas querem reverter
através dele a insanidade que foi o pedido de Salvaguarda. Ora, vejamos sob a luz da
razão esta abominação: quem pediu a Salvaguarda para os vinhos brasileiros? Segundo um renomado
enólogo e produtor de vinho brasileiro, foram as entidades “representativas” do Setor
que a pediram, mais ninguém. E quem são estas entidades? De que elas são formadas?
De que matéria? De seres inanimados? De biomas desconhecidos? De lontras, leões marinhos,
salames, porcos, raposas? Quem são seus dirigentes? Será que estas entidades abririam suas atas
publicamente para termos acesso a estas votações? Tanto do Selo Fiscal quanto da Salvaguarda?
Ou elas não existem? De onde surgiram estas idéias? Da caixa de pandora? Onde estas idéias
foram debatidas? Quando, como e com quem? Estas atas não apareceram e nem vão aparecer,
porque apenas poucas vinícolas decidem por centenas de produtores. Fácil agora recorrer
à cortina obscura das “entidades representativas” do setor, para safarem-se do imbróglio. Disseram
também que a Salvaguarda é um ato social, pois dela dependem 20mil famílias. Gostaria
de saber se as 20mil famílias sabem das contrapartidas da Salvaguarda. Para que o governo adote as
medidas protecionistas o setor se compromete a implementar diversas medidas compensatórias.
Vejamos algumas delas: “a implantação de 1.500 ha de vinhedos em áreas fora das
áreas tradicionais”, quem sabe propomos às 20mil famílias serem os novos pedestres
do mar vermelho protagonizando mais um êxodo na história? Quem tem mais condições de
implantar estes 1.500 hectares? Outro exemplo será a diminuição de até 15% do custo
de produção da matéria-prima e redução em 35% com relação a regiões tradicionais,
onde hoje habitam estas 20mil famílias. Além disso, teremos que aumentar em 37% a produtividade
dos nossos vinhedos, ou seja, teremos que piorar a qualidade de nossa uva? Isto é insano!
E, pasmem, a Salvaguarda incentiva fusões de empresas para ganho de escala, e pretendem
investir do 3º ao 8º ano 40 milhões de reais em promoção “coletiva”. Quem pagará
esta conta? Para quem está sendo direcionada esta “coletividade”? É revoltante saber
que nos últimos anos as grandes corporações conseguiram tudo do IBRAVIN, e este mesmo
instituto não apresentou um único plano para melhorar a competitividade das vinícolas
familiares. Ao contrário, nos presenteou com o burocrático e ineficaz Selo Fiscal.
Não apresentou uma única proposta para financiar pequenos produtores e incentivar a vitivinicultura
familiar, em vez disso está exigindo cursos de qualificação para a implantação de
uma normativa utópica e impraticável para os colonos, a IN05. Não há um único projeto
para vinhos artesanais no país; ao contrário puniu os agricultores que elaboravam vinhos
em suas propriedades. Novamente pergunto quem está sofrendo o boicote durante anos? Quem
são os boicotadores. A grande indústria brasileira usa a ardilosa estratégia de se
colocar como vítima. Queremos saber quem está de fato boicotando o vinho brasileiro?
Meus caros, por isto estamos aqui, para dar nossa resposta de forma elegante e prazerosa,
ao evento que acontece simultaneamente em outro local promovido pelos defensores do
Selo Fiscal, da Salvaguardas e das Normativas, que servem apenas de instrumentos de defesa,
numa vergonhosa e escancarada tentativa de reserva de mercado. Se fizeram dívidas e
dimensionaram mal o seu mercado e suas expansões, agora que paguem! E não dividam sua dívida
com o setor. Se fosse assim, também gostaríamos que o governo pagasse nossos Proger e Prodefrutas.
Mas ao invés da choradeira estamos aqui, no verdadeiro campo de batalha, “o mercado”,
tentando vender nossos vinhos sem nenhuma salvaguarda, sem recorrermos ao “tapetão”!
Não poderia deixar de fazer referência a um grande homem de coragem, e proprietário
do restaurante que possui a melhor carta de vinho brasileiro, Pedro Hermeto. Parabéns
pela coragem, pela determinação e entendimento. O Aprazível foi e sempre será a grande referência
para o vinho brasileiro. Também agradeço a todos que se empenharam nesta luta de defesa
do pequeno produtor brasileiro. Certamente o sacrifício e o sudário impressos em nossos
dias não nos roubaram a dignidade, nem execraram de nós a sensibilidade; ao contrário, nossas
gárgulas inundaram as nossas vidas de alegria e serenidade. O vinho imaculado corre em nossas
veias como o Vesúvio em seus tempos de glória! Somos parte de um mesmo corpo, amantes de
um mesmo amor, fugitivos de guerra procurando a paz. Como homens e mulheres de um novo tempo,
temos somente um dever: procurar a verdade. Que ela nos guie e nos liberte, que ela nos
desvende outros caminhos além daqueles indicados por outros, que ela nos esclareça e nos dê
essência. Sigamos então a verdade da luz da lua numa noite de verão, bebamos um vinho
autêntico com nosso melhor amigo, sejamos um pouco o corpo do Criador, sejamos os ramos
da videira a frutificar pela eternidade, sejamos odres novos para o vinho novo. Cantemos os
salmos da vida, festejemos o Cântico dos Cânticos, sempre e sempre. Façamos do vinho
o nosso filho unigênito, respeitando suas nuances e suas estações, façamos dele nossa
vida, como nossos sonhos, outrora verdadeiros, como o mar calmo depois do verão. Que os
sonhos de cada um que se encontra hoje aqui se tornem uma vinha fértil, que nossos braços
sejam como os ramos e frutifiquem, que as nossas mãos toquem com delicadeza e carinho
nossa colheita, e que nossos olhos habitem o infinito para sentirmos então todos os
aromas indescritíveis, jamais sonhados, degustando a paz, e encontrando a vida plena.
No vinho a luz, no vinho a vida, no vinho o escárnio, a ousadia, no vinho o corpo,
o sopro, a luz... No vinho o mar,
No vinho o amor, o amor, o amor. Assim seja!
Luís Henrique Zanini