Quando eu estava na quarta classe, o professor disse-nos, um dia:
"Existem tantos números pares quanto números."
"A sério?", pensei eu. Bem, realmente, há um número infinito de ambos, portanto suponho que haja o mesmo número de ambos.
Mas, por outro lado, os números pares são apenas uma parte dos números inteiros. Os ímpares ficam de fora,
portanto tem de haver mais números inteiros do que números pares, certo?
Para perceber o que o meu professor queria dizer, vamos primeiro pensar no que signiica dois conjuntos terem o mesmo tamanho.
O que é que significa quando digo que tenho o mesmo número de dedos na mão direita e na mão esquerda?
Óbvio que é que tenho cinco dedos em cada uma mas, na verdade, é mais simples do que isso.
Não preciso de os contar, só preciso de perceber se os consigo combinar, um a um.
De facto, pensa-se que alguns povos antigos, que falavam línguas que não tinham palavras
para números maiores do que três, usavam este tipo de truque. Por exemplo, se tirarem as ovelhas do curral para pastar
conseguem não perder a conta de quantas saíram se forem pondo de lado uma pedra por cada uma
e depois ir deitando as pedras fora, uma a uma, quando as ovelhas regressarem.
Assim, sabem se falta alguma sem precisarem realmente de contar.
Um outro exemplo de como combinar é mais fundamental do que contar:
se estiver a falar para um auditório lotado, onde cada assento está ocupado e não há ninguém de pé,
sei que há o mesmo número de assentos e pessoas no auditório
apesar de não saber quantas é que existem de cada.
Portanto, aquilo que queremos dizer quando dizemos que dois conjuntos têm o mesmo tamanho
é que os elementos desses conjuntos podem ser combinados, um a um, de alguma forma.
Portanto, o meu professor da quarta classe mostrou-nos os números inteiros dispostos numa linha e, por baixo de cada, o seu dobro.
Como podem ver, a linha de baixo contém todos os números pares, com correspondência de um para um.
Ou seja, há tantos números pares como há números.
Mas o que nos incomoda é uma angústia pelo facto de os números pares parecerem ser apenas parte dos números inteiros.
Mas isto convence-vos de que não tenho o mesmo número de dedos na mão esquerda e na mão direita?
Claro que não. Não importa se tentamos combinar os elementos de alguma forma e não resulta,
isso não nos convence de nada.
Se conseguirmos encontrar uma maneira de fazer corresponder elementos de dois conjuntos,
então dizemos que esses dois conjuntos têm o mesmo número de elementos.
Conseguem fazer uma lista de todas as frações? Vai ser difícil, há uma data de frações!
E não é óbvio qual escrever primeiro ou ter a certeza de que incluímos todas na lista.
De qualquer maneira, há uma maneira muito inteligente de fazer uma lista com todas as frações.
O primeiro a fazê-lo foi Georg Cantor, no final do século XIX.
Primeiro, escrevemos todas as frações numa grelha. Estão todas lá. Podemos encontrar, por exemplo, 117/243
na linha n.º 117 e coluna n.º 223.
Agora fazemos uma lista a partir disto, começando no canto superior esquerdo e andando para trás e para a frente na diagonal,
saltando qualquer fração como 2/2 que representa um mesmo número que já escrevemos.
E assim obtemos uma lista de todas as frações, o que significa que criámos uma correspondência 1:1
entre os números inteiros e as frações, apesar de termos pensado que talvez existissem mais frações.
Ok, agora é que se torna realmente interessante.
Talvez saibam que nem todos os números reais – isto é, todos os números numa reta numérica – são frações.
A raiz quadrada de 2 e o π, por exemplo.
Qualquer número como estes são chamados irracionais. Não por serem doidos, mas porque as frações são
a razão entre números inteiros, e portanto chamadas de racionais; ou seja, o resto é não-racional, ou irracional.
Os irracionais são representados por decimais infinitos e não periódicos.
Então, conseguimos fazer uma correspondência 1:1 entre os números inteiros e o conjunto de todos os decimais,
tanto os racionais como os irracionais? Isto é, conseguimos fazer uma lista de todos os decimais?
Cantor mostrou que não é possível. Não é que não saibamos como – não é possível fazê-lo.
Suponham que alegam que fizeram uma lista de todos os decimais. Vou mostrar-vos que não o conseguiram,
gerando um decimal que não está na vossa lista.
Vou construir o meu decimal algarismo a algarismo.
Para a primeira casa decimal do meu número, olho para a primeira casa decimal do vosso primeiro número.
Se for um 1, a minha será um 2; caso contrário, a minha será um 1.
Para a segunda casa decimal do meu número, olho para a segunda casa decimal do vosso segundo número.
Outra vez, se a vossa for um 1, a minha será um 2 e caso contrário, a minha será um 1.
Estão a ver onde vai dar? O decimal que eu escrever não pode estar na vossa lista.
Porquê? Poderia o vosso, digamos, 143.º número? Não, porque a 143.ª casa decimal do meu número
é diferente da 143.ª casa decimal do vosso 143.º número. Foi assim que o defini.
A vossa lista estará incompleta. Não contém o meu decimal.
E não importa a lista que me derem, posso fazer o mesmo e produzir um decimal que não está na lista.
Portanto, estamos perante uma conclusão espantosa:
os números decimais não podem ser listados. Representam um infinito maior do que o infinito dos números inteiros.
E, embora estejamos familiarizados com apenas alguns irracionais, como a √ 2 e o π,
na verdade, a infinidade de todos os irracionais é maior do que a infinidade das frações.
Alguém disse uma vez que os racionais – as frações – são como as estrelas no céu noturno;
os irracionais são a escuridão por trás.
Cantor também mostrou que, para qualquer conjunto infinito, um novo conjunto que se forme a partir de todos os subconjuntos do conjunto original
representa um infinito maior do que o conjunto original. Isto significa que, quando temos um infinito,
podemos sempre encontrar um maior formando um conjunto com todos os subconjuntos do primeiro.
E depois um ainda maior formando um conjunto com todos os subconjuntos desse. E por aí adiante.
Ou seja, há um número infinito de infinitos com diferentes tamanhos.
Se estas ideias vos são desconfortáveis, não são os únicos. Alguns dos maiores matemáticos
contemporâneos de Cantor ficaram muito perturbados com isto.
Tentaram tornar irrelevantes estes diferentes infinitos, fazer com que a matemática funcionasse sem eles.
Cantor foi até pessoalmente difamado, de tal maneira que ele sofreu uma grave depressão
e passou a última metade da sua vida dentro e fora de instituições de saúde mental.
Mas, por fim, as suas ideias vingaram. Atualmente, são consideradas fundamentais e magníficas.
Todos os investigadores matemáticos as aceitam, qualquer aluno universitário de matemática as aprende
e eu expliquei-as aqui para vocês em poucos minutos.
Talvez um dia elas se tornem conhecimento geral.
E há mais. Apenas destacámos que o conjunto dos números decimais – isto é, os números reais –
é um infinito maior do que o conjunto dos números inteiros. Candor perguntava-se se haveria infinitos
de diferentes tamanhos entre estes dois infinitos. Ele não acreditava que houvesse, mas não o conseguiu provar.
A sua conjetura ficou conhecida como a hipótese do <i>continuum</i>.
Em 1900, o grande matemático David Hilbert listou a hipótese do <i>continuum</i> como o mais importante
problema matemático por resolver.
O século XX assistiu à resolução deste problema, mas de uma maneira completamente inesperada e que abalou paradigmas.
Nos anos 20, Kurt Gödel demonstrou que nunca se poderá provar que a hipótese do <i>continuum</i> seja falsa.
Mais tarde, nos anos 60, Paul J. Cohen demonstrou que nunca se poderá provar que ela seja verdadeira.
Ou seja, estes resultados querem dizer que há questões na matemática que não podem ser resovidas.
Uma conclusão muito surpreendente.
A matemática é corretamente considerada o pináculo do raciocínio humano,
mas sabemos agora que até a matemática tem as suas limitações.
Ainda assim, a matemática tem coisas verdadeiramente maravilhosas para nos fazer pensar.